Por Pe. Paulo Henrique da Silva
Diretor de estudos do Seminário de São Pedro
Há mais de 70 anos, o teólogo católico alemão, o jesuíta Karl Rahner afirmava que existem verdades na doutrina da Igreja que, expressadas em forma de “teses”, certamente não se põem em dúvida pelos católicos, mas que de fato são envolvidas em um silêncio de morte, procedendo na prática da vida cristã como se não existissem. Uma delas é o tema das “indulgências”. Estão presentes no catecismo, não, porém nas “tábuas de carne do coração”. Embora as coisas estejam mudadas, inclusive graças aos trabalhos teológicos do próprio jesuíta que se dedicou a refletir, também sobre esse tema e muitos outros, e devido à vivência dos últimos Jubileus, o da Redenção em 1983 e o grande Jubileu do ano 2000, vivenciados por São João Paulo II, e o último Jubileu extraordinário da Misericórdia, em 2015, querido e realizado por Francisco, o tema das indulgências precisa ser bem entendido, tendo iniciado o Jubileu ordinário de 2025.
Quando se fala do tema das indulgências logo se recorda das experiências negativas do século XVI, quando do episódio da venda das indulgências, episódio junto ao qual o monge Martinho Lutero se revoltou, dando início à Reforma Protestante. Sabemos também, o movimento de Lutero não tinha como tema principal o tema das indulgências, mas outros temas como a justificação, as boas obras, a autoridade pontifícia. Mas, hoje as coisas estão totalmente diferentes, e as exigências postas pela Igreja para obter as indulgências são estritamente religiosas e com uma profunda base teológica. Deve-se observar, logo de cara, que a conexão com o Sacramento da Reconciliação é uma das principais bases de apoio ao tema. Entendido, claro, tal Sacramento na linha da indulgente e benevolente ação divina de nos perdoar e reconciliar. E tal ação não nos deixa totalmente passivos, isto é, como se Deus realizasse a reconciliação e nada fazemos. Pelo contrário, “o acolhimento da redenção como dom gratuito de Deus não significa qualquer inatividade (atitude a-pática, porque não «sofre» com os outros) por parte do ser humano, mas sim um maior aprofundamento da sua própria ação, enquanto ação mediadora da ação de Deus (atitude pática, no sentido de recepção da ação de Deus). E, nesse sentido, essa ação é uma ação benéfica para todos, não apenas para nós (ação syn-pática, na medida em que o acolhimento do perdão se dá com os outros e para os outros). Nesse sentido, a orientação para a criatura, porque não é absoluta em si mesma, não contradiz a orientação para Deus (como no caso do pecado, causador da culpa), antes a articula de forma concreta” (JOÃO DUQUE. O sentido da indulgência. Revista THEOLOGICA. 2." Série, 35,1 (2000), p. 117.)
Fala-se de “Indulgência plenária”, especialmente oferta no Decreto para o Jubileu Ordinário de 20025. Indulgência plenária significa o perdão total das consequências do pecado cometido. Com o Sacramento da Confissão o pecado é perdoado. Mas, ficam as consequências do pecado, como lembranças do mal cometido, mágoa de alguém, as chamados “penas temporais”. As indulgências lembram que nosso Senhor quer a conversão total da pessoa. Isso vale também para os mortos no sentido de rezarmos para que eles tenham a purificação total de suas faltas. As indulgências são um socorro da Igreja no esforço de conversão e santificação do dia a dia. Como a Igreja é santa ela tem confiança de que sua oração será ouvida. Assim, por meio das indulgências a Igreja vem em socorro dos seus filhos e filhas. A Igreja ora pelo pecador arrependido para obter o perdão de toda a sua culpa e de todos os seus efeitos. Mas, lembrar sempre: as indulgências não são uma espécie de “substituto” da Confissão. Por isso, é necessário ficar atentos às condições requeridas pela própria Igreja para obter as indulgências, entre elas buscar o Sacramento da Reconciliação, antes de obtê-las, pois não se trata de mágica, mas de eficácia do processo de conversão ao qual todos somos chamados. E também, lembrar outro ensinamento do teólogo jesuíta: toda reconciliação do pecador com Deus, leva, necessariamente à paz com a Igreja, isto é, somos reconciliados com Deus e por Deus, para que sejamos reconciliados entre nós.