
Padre João Medeiros Filho
Assistente eclesiástico do Mosteiro das Filhas de Santana
Este texto retrata minhas observações e avaliação ao ver as imagens do evento de inauguração da Barragem de Oiticica. Não é preciso ser adivinho ou profeta para prever o que iria acontecer. Em artigo publicado na Tribuna do Norte, há algumas semanas, escrevi que gostaria de saber se os nomes do verdadeiro idealizador, Dom José de Medeiros Delgado, do operário acidentado durante a obra, Raimundo Sérvulo da Silva, que veio a se tornar pároco de Acari e do primeiro engenheiro, Dr. Clóvis Gonçalves dos Santos, seriam lembrados. Sequer uma palavra de gratidão e reconhecimento aos precursores da barragem foi proferida.
Notava-se a preocupação em tecer críticas a adversários políticos e elogios a aliados. Ainda hoje, assiste-se às diatribes em que se ressalta a liberação de recursos, tentando mostrar que os governantes são os donos do dinheiro e não o povo. Governos ao realizarem obras, pensam que fazem favores e não um dever e compromisso com o povo. Busca-se comparar quem enviou mais recursos. Os números são relativos e descontextualizados. Entretanto, não se demonstra nenhum cálculo de quanto dinheiro foi desviado, do superfaturamento que favoreceu apaniguados. Citaram-se somas, procurando mostrar o “interesse” dos governos por nosso estado. A discussão inócua e radical ainda persiste. Esquecem que é dever do governante empregar bem o dinheiro oriundo dos impostos pagos pelos contribuintes. As falas oficiais continuam deletérias e lançam mais lenha na fogueira da polarização. Muitos invocam a paternidade da obra. A história costuma ser distorcida e a verdade obnubilada ao sabor das narrativas e ideologias. Ignoram-se as palavras do apóstolo Paulo: “Nem o que planta, nem o que rega são alguma coisa, mas aquele que faz crescer: Deus” (1Cor 3, 7).
Mais importantes são atitudes e gestos. Ninguém procurou saber por que Dom Delgado sugeriu a construção da barragem. Cada líder seridoense queria o protagonismo de uma obra em seu município. O saudoso bispo convenceu os participantes de que seria importante, útil e duradoura uma barragem, que iria beneficiar maior número de pessoas. Alguns são alheios às pesquisas. Grande foi o gesto do Ministro José Américo de Almeida, priorizando a Barragem de Oiticica para atender o RN, aumentando sua capacidade hídrica.
Oiticica tem a sua história, marcada de gestos louváveis, mas guarda um lado deplorável. A retomada das obras, quase não acontecia em 2013, quando o estado era governado por Rosalba Ciarlini, adversária política de quem dirigia a nação. Aliás, a ilustre mossoroense, quando senadora, sofrera outra frustação. Seu projeto de criação da Universidade Federal do Seridó recebeu parecer contrário, da lavra de parlamentar que se vangloria de pertencer ao magistério. Até o momento, Caicó permanece sem sediar a Universidade Federal do Seridó, pois esta iria ofuscar projetos partidários e interesses individuais. O salmista suplica: “Livra-me, Senhor, de quem é iníquo e falso” (Sl 43/42, 1).
Cabe enaltecer a postura do deputado federal Henrique Eduardo Alves (outro nome esquecido na inauguração), quando Presidente da Câmara de Deputados. Empenhou-se para convencer a presidência da República a liberar a Ordem de Serviço para retomada das obras da Barragem de Oiticica, bloqueada especialmente pelos motivos acima relatados. Atitude republicana do aludido parlamentar, apesar de pertencer a um partido diferente da governadora já citada. Para ele o bem do RN era mais relevante. Muito se deve também ao deputado Nelter Queiroz pela sua persistência junto a Henrique Eduardo em prol da futura barragem, em Jucurutu.
O empenho e o espírito público dos que contribuíram estão inscritos no Livro da Verdade e da Gratidão. Hoje rendemos graças pela entrega da Barragem: sonho, desejo da população, mas sobretudo dívida para com o povo, que esperou mais de sete décadas. Que se cumpra a profecia do grande idealizador Dom Delgado: “O suor de tantos ali derramado se transforme em água abundante para saciar a sede de muitos e se torne em alimento para matar a fome de tantos irmãos.” Quão longe estamos do ideal do Evangelho. A nobreza de alma não é virtude de todos. Faltam mais solidariedade e fraternidade, como narra Lucas, nos Atos dos Apóstolos: “E tudo era distribuído segundo a necessidade de cada um” (At 4,35).