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Diác. Paulo Felizola Paróquia de Nossa Senhora do Ó - Nísia Floresta
Não temos nenhuma dúvida que estamos vivendo uma grave crise socioambiental, a nós revelada pelas catástrofes que temos testemunhado: Grandes enchentes, calor excessivo, frio insuportável, estiagens nunca visto e os grandes incêndios decorrentes. Refletir sobre tudo isso e suas consequências sobre a vida de tudo e de todos é o nosso dever, como igreja e, principalmente como cidadãos e cidadãs do mundo.
Pela nona vez, ao longo dos 61 anos de existência, a Igreja do Brasil, através da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, convida a todos e todas a refletir, motivada pela certeza de que
“Novamente, Deus nos chama a vivenciar a Quaresma. Desta vez, porém, com o apelo especial a louvá-lo pela beleza da Criação, a fazer um caminho decidido de conversão ecológica e a vivenciar a Ecologia Integral”.
o tema Fraternidade e Ecologia Integral e o lema “Deus viu que tudo era muito bom”, tendo como objetivo “promover, em espírito quaresmal e em tempos de urgente crise socioambiental, um processo de conversão integral, ouvindo o grito dos pobres e da Terra”. (Objetivo Geral da CF 2025).
Assim sendo, é necessário (re)lembrar que a questão ambiental passou a preocupar, de forma mais contundente a todos nós, quando no início da década de 1970, o Clube de Roma publicou um estudo, que houvera encomendado ao Massachusetts Institute of Technology - MIT, intitulado “The limits to growth” (Os limites do desenvolvimento). Esse estudo mostrou que, se o mito do desenvolvimento fosse realizado, ou seja, se o padrão médio de vida dos países ricos fosse universalizado, teríamos um colapso no mundo por conta da crise de recursos não renováveis. Portanto, as promessas do mito do desenvolvimento não poderiam ser realizadas e o estilo de vida criado pelo capitalismo industrial sempre será o privilégio de uma minoria e o desenvolvimento econômico, como ideia de que os povos pobres podem, algum dia, desfrutar das formas de vida dos ricos é, simplesmente, irrealizável.
É preciso notar que antes do reconhecimento do limite do sistema ecológico, a ideia do desenvolvimento estava articulada, de um lado, pela ideia de que melhorar as condições de vida dependia do nível de produção e consumo de novos e modernos bens e, por outro lada, que esse padrão de vida dos ricos poderia ser universalizado. Logo, com o reconhecimento do limite do sistema ecológico, a equação do desenvolvimento e sua universalização teve que acolher essa terceira variável. Logo, para solucionar a equação do desenvolvimento, agora com três variáveis, tornou-se necessário a eliminação de uma das três.
Como solução para esse problema, dentre outras, encontramos a proposta neoliberal, ou do mercado livre e da meritocracia, que eliminando a variável ambiental e os direitos humanos de todas as pessoas, prega que a vida digna só será realizar através do consumo, embora essa realização seja apenas para os que possam pagar e não para todos, porque nem todos têm esse direito, uma vez que não há direito natural que garanta isso para todos. Essa é a solução do neoliberalismo, a solução do mercado livre e da meritocracia.
Uma outra solução nos é dada pela ideia de que, se mantem as três variáveis e considera como fator determinante o surgimento de novas tecnologias. Desse modo, mantem o consumo como critério para medir o padrão de vida, ou seja, mantem a cultura capitalista, mantem a universalização do padrão de consumo como um direito de todos e reconhece o problema ecológico. Logo, a solução seria dada pela criação de novas tecnologias e hábitos de consumo que agridam menos o ambiente e usem menos recursos renováveis. Essas novas tecnologias poderiam criar novos negócios para as empresas capitalistas, e todos sairiam ganhando. No entanto, não podemos ignorar que essa proposta de universalização do padrão de consumo dos ricos, via sistema de mercado global, mesmo que consiga manter o ambiente natural em um nível sustentável, é o grande vetor da concentração de renda, da exclusão social, do sacrifício de vidas humanas e da destruição das culturas locais, que são, também, consequências da proposta neoliberal. Ou seja, em nada resolve, mas compromete a vida.
Por esse entendimento, essas propostas tecnológicas foram transformadas em verdadeiros paradigmas e, como tal, tem sido objeto de extensa e fundamentada crítica do Papa Francisco, principalmente, em suas Encíclicas Laudato Si e Laudate Deum. Para Francisco esse paradigma Trata-se de «um modo desordenado de conceber a vida e a ação do ser humano, que contradiz a realidade até ao ponto de a arruinar». Consiste, substancialmente, em pensar «como se a realidade, o bem e a verdade desabrochassem espontaneamente do próprio poder da tecnologia e da economia». Como consequência lógica, «daqui passa-se facilmente à ideia dum crescimento infinito ou ilimitado, que tanto entusiasmou os economistas, os teóricos da finança e da tecnologia». (Laudate Deum. n. 20)
Além do mais, argumenta Francisco, que todo o progresso tecnológico visto em nossos dias, tem sido baseado “na ideia dum ser humano sem limites, cujas capacidades e possibilidades se poderiam alargar ao infinito graças à tecnologia. Assim, o paradigma tecnocrático alimenta-se monstruosamente de si próprio.” (Laudate Deum. n. 21)
Na realidade, o fato é que estamos diante de ideologias que sustentam a obsessão de que, para além de toda a imaginação, o poder do homem deve ser aumentado e para esse homem, tudo o que não é humano é um mero recurso que deve estar sempre a seu dispor. Mais uma vez vemos manifestada a cultura capitalista: tudo deve virar mercadoria, ofertada e demandada no mercado, para ser consumida.
“Tudo o que existe deixa de ser uma dádiva que se deve apreciar, valorizar e cuidar, para se tornar um escravo, uma vítima de todo e qualquer capricho da mente humana e das suas capacidades.” (Laudate Deum. n. 22)
Logo, o que importa é a maximização do lucro, com o mais baixo custo possível, principalmente o que advém da compra de força de trabalho. Nessa lógica não há espaço para a solidariedade, para a partilha e muito menos para preocupações com a Casa Comum e com os descartados do sistema.
Diferentemente das propostas tecnológica e neoliberal, o Papa Francisco, tem deixado claro, que é preciso combater o consumo capitalista com um mais baixo consumo de mercadoria do que temos hoje em um novo ideal de vida, segundo o qual a vida seja mais simples e em harmonia com a natureza. No entanto, essa proposta para a sua realização haverá de enfrentar, logicamente, os interesses capitalistas, que tem, como já afirmamos acima, o consuma como sua essência. Ou seja, é preciso mudar de paradigma e para tal, objetivamente, o Papa, em 2019, convidou a todos “ao diálogo sobre a forma como estamos construindo o futuro do planeta e sobre a necessidade de investir nos talentos de todos, porque todas as mudanças precisam de um caminho educativo para fazer amadurecer uma nova solidariedade universal e uma sociedade mais acolhedora.”
Em consonância com esse convite de Francisco a CF 2025 nos lembra que “É preciso urgente conversão ecológica: passar da lógica extrativista, que contempla a Terra como um reservatório sem fim de recursos, donde podemos retirar tudo aquilo que quisermos, como quisermos e quanto quisermos, para uma lógica do cuidado”.