“A Igreja vive da Eucaristia” (cf. S. João Paulo II, EDE). Essa constatação e ensinamento perpassam toda a história das comunidades cristãs, especificamente as católicas. Quem acolhe plenamente o mistério da Eucaristia, faz a experiência com o mistério da Igreja e, acima de tudo, do próprio mistério de Jesus Cristo, a sua Encarnação e sua Páscoa. Essa relação com estes “Mistérios”, nos coloca no coração revelado da Trindade (cf. Jo 14, 12-20), que é amor, que ama e é amado. Por isso, a Tradição cristã fala da Eucaristia como “Sacramentum Caritatis” – sacramento do amor - (cf. Bento XVI).
Não é intenção desta reflexão abordar os referenciais da instituição da Eucaristia. Já há conteúdo mais do que suficiente para o conhecimento desta construção teológica. O intuito é abordar a dimensão missionária, que todos os batizados, neste contexto em que se trata tanto sobre a sinodalidade, têm a responsabilidade de testemunhar. O cristão é um ‘servidor da palavra de Deus’, ou seja, é discípulo missionário de Jesus Cristo. A Eucaristia é constituída do pão da Palavra e do corpo de Cristo. Esses são os fundamentos da celebração eucarística. As comunidades cristãs precisam conhecer essa construção, que traduz a essência do Mistério da Fé. Os mistérios sacramentais e, ainda mais, a própria mística eucarística são o conteúdo que os corações necessitados do amor de Deus precisam para serem santificados e cristificados. Na ação missionária e eclesial dos tempos atuais, faz-se mister a redescoberta da mistagogia eucarística. O homem contemporâneo só valoriza o que ama, não mais o que teme. O desencanto sobre o qual tanto é falado na modernidade tem esse pano de fundo: com a morte de Deus, o sagrado é aquilo que o humano pode controlar e consumir de acordo com suas vontades individualistas.
Quando falamos que o cristão é um Missionário da Eucaristia, tomamos como texto base o evangelho de São Lucas (cf. 14, 12-24). Quando contemplamos o conjunto dos capítulos 13-15 do mesmo evangelho, vemos que Jesus está a debater com as lideranças religiosas e políticas do seu tempo. São estas que não estão acolhendo o projeto do Reino de Deus, no qual todos são chamados à conversão e, depois disso, a promover a dignidade humana, a liberdade e bem aventurança de todos (cf. 4, 14-19; 6, 20-23). A partir deste contexto, afirmamos que a Eucaristia é uma festa. É o lugar de encontro com o amor de Deus. É o lugar da ação de graças e da misericórdia, é remédio e fonte de esperança das realizações escatológicas. No cenário, os lugares eclesiais nos quais todos nós estamos, em cada tempo e lugar da história, na qual a ação de Deus (Kairós) acontece, podemos identificar algumas personalidades: 1) O Senhor; 2) O servo; 3) Os primeiros convidados; e 4) Os últimos.
1) O Senhor: sem dúvida, este é Jesus Cristo. É Ele que nos envia. Somos seus servos. Aqueles que devemos ser ‘facilitadores’ para que os demais irmãos tenham o conhecimento de Jesus Cristo, o Único Necessário, o nosso Mestre. Ele ressignifica o sentido e a lógica da mensagem. O coração desta é a misericórdia. Essa é a chave de leitura de toda a revelação do Pai (cf. W. Kasper; J. M. Bergoglio). O seu centro está na parábola do Filho Pródigo (cf. Lc 15, 11-32). Na casa do Pai, há abundância de alimento, a comida não é a dos porcos. Não existem os últimos, mas sempre os primeiros. Os que estão vivos na companhia de Deus. Os encontrados e reconhecidos como filhos e filhas muito amados do Pai, que está sempre a nos esperar. Nos aguarda, nos abraça e se alegra quando ‘retornamos’.
2) O servo: é aquele que assume os propósitos do Mestre/Senhor. Escuta o que Ele diz, o segue e o anuncia. Não se fecha à graça e ao envio. É capaz de dizer: eis-me aqui Senhor! Se faz ponte e prontifica-se. Vai ao encontro dos primeiros, que são os da sua casa, do seu bairro e da sua igreja. Mas, quando estes não aderem ao chamado, não se acomoda e vai às periferias geográficas e existenciais: busca os deficientes, excluídos, miseráveis, sem nome e sem rosto. Esses são a garantia da nossa felicidade e salvação, porque eles não têm com o que retribuir (cf. Lc 14,14). O servo bom e fiel será agraciado na ressurreição dos justos (cf. Idem). Ele parte do princípio de que somos filhos e filhas, no Filho, de um mesmo Pai e, por isso, reconhece que todos somos irmãos e irmãs. Este servo é todo aquele que é discípulo missionário, a partir do encontro pessoal com Jesus Cristo.
3) Os primeiros convidados: são aqueles da própria Igreja. Estes são os fariseus e os doutores da lei dos nossos dias. “Os que são mais católicos do que o Papa e mais cristãos do que Jesus Cristo’. São os que ainda não alcançaram, ou não foram, por um profundo encontro pessoal com o Senhor (cf. Bento XVI, DCE, 1), a graça da conversão. Estão apegados às leis, às ideias e suas vontades (cf. Francisco, GE, cap. II), que podem obscurecer a luz da verdade e dificultar a busca pela santidade. Assim como na época de Jesus, assumem uma atitude de julgamento, negação do Outro, que é imagem e semelhança de Deus, que é lugar teológico por excelência da manifestação misericordiosa do Pai. Jesus veio para os seus, mas estes não o reconheceram (cf. Jo 1,11), não aceitam a atualização da única mensagem, que traz para o centro da história cada ser humano, marcado pela miséria do pecado; mas redimido pela ação amorosa de Jesus Cristo, que na cruz redime a todos os que O aceitam.
4) Os últimos: estes são os “Lázaros da história” (cf. Lc 16, 19-31). Eles estão personificados em todos aqueles que não têm voz, nem vez. Os miseráveis e degradados, pobres e humilhados, indigentes e esquecidos, descartados e desvalidos. Por estes, só Deus! Por isso, a ‘opção fundamental’ é por eles, sem ser exclusiva. Na Igreja, também pode ser assim. Estes são os filhos e filhas prediletos de Deus, que precisam ser “acolhidos, acompanhados e integrados” à comunidade eclesial, depois do discernimento (cf. Francisco, AL, cap. VIII). A Eucaristia - como sacramento do amor - como festa para a qual devem ser convidados todos os que professam a fé em Jesus Cristo e são batizados, também necessita daqueles servos e servos que saem a convidar, anunciar e testemunhar a grande alegria que é estar na presença do Senhor, o Cordeiro imolado, proclamando e que é “Digno de receber o poder, a riqueza, a sabedoria, a força, a honra, a glória e o louvor” (cf. Ap 5, 12).
Os Missionários da Eucaristia são todos os fiéis que assumem e narram a beleza do Santíssimo Sacramento para todos os irmãos, batizados, que ainda não reconhecem o valor deste mistério para a salvação de todos, inclusive como sinal que sintetiza a história da salvação e o milagre continuado da criação (cf. T. de Chardin, “Missa sobre o Mundo”), como sacramento do Cristo Cósmico, que é o princípio e fim de toda a criatura (cf. Cl 1, 15-20). Num país em que só cerca de 8% dos católicos participam das missas dominicais, seria sumamente importante que reconhecêssemos a necessidade de testemunhar o que “É” a Eucaristia e sua importância para a experiência com o amor pleno de Deus por nós.
Por fim, pensar a Eucaristia como lugar de encontro, mistério de fé, sacramento do amor e fundamento da vida da Igreja, pensá-La como festa, banquete, pão vivo descido céu, memorial da paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo, é de fato reafirmarmos com o Concílio Vaticano II, que ela é o ápice e a fonte da vida de todos os filhos e filhas de Deus. É urgente redescobrirmos a “mistagogia sacramental” na vida das comunidades cristãs, muito especialmente a da Santíssima Eucaristia. Nela há a apropriação devida do que somos para Deus e do que Deus é para cada um de nós. Como ministros ordinários e extraordinários, como povo em caminho, sejamos Missionários da Eucaristia. Assim o seja!
Pe. Matias Soares
Pároco da paróquia de Santo Afonso M. de Ligório
Natal-RN