Os presbíteros e casos especiais
- pascom9
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Pe. Matias Soares
Pároco da Paróquia de Santo Afonso Maria de Ligório Natal-RN
A Igreja começa a preocupar-se de modo mais orgânico com os ‘presbíteros em situações especiais’. A humanidade dos mesmos, que ficou eclipsada durante séculos, tem sido vista por um mundo que tem uma cultura marcada pela força dos meios de comunicação. O filósofo Byung-Chul Han a qualifica de cultura ‘pornográfica’. Nela, a visibilidade e a transparência ganham espaço em quantidade, mesmo que nem sempre com a qualidade da verdade. A Igreja ainda tem tido dificuldades para dialogar e estar inserida nesta forma de ser do contemporâneo, que não admite mais o obscurantismo do ser; mesmo que, em contrapartida, tenha um estilo de negar a verdade, fazendo com que a Era da pós-verdade seja chamada em causa, com a negação objetiva de tudo que esteja sob a determinação das subjetividades e interesses macroeconômicos. Esses novos mecanismos têm mostrado que os presbíteros estão marcados também com as suas fragilidades humanas e necessitam urgentemente de cuidados físicos, psicológicos e espirituais.
O seu estilo de vida, marcado pelo ativismo, que os leva a síndrome de burnout, numa “sociedade do cansaço”, como nos descreve o mesmo filósofo coreano, ainda não gerou uma consciência coletiva de que, a partir das casas de formação, a humanidade dos ministros ordenados deve ser cuidada com proeminência. Ainda mais, nas estruturas de cuidado que estão sendo pensadas e organizadas há a urgência de serem contemplados os irmãos presbíteros que estão em “periferias geográficas e existenciais” dos nossos Presbitérios. Tomo essas categorias para falar de irmãos que estão em situação de dores do corpo, da psique e da alma. Assim como devemos ter a preocupação de cuidar das pessoas que batem às nossas portas, com sofrimentos de variadas formas e rostos, também precisamos dar uma atenção personalíssima aos irmãos que estão vivendo em situações complexas e de esquecimentos. A Igreja precisa ser um “hospital de campanha”, não só para quem está fora; mas, também, para os que estão dentro dela, sendo ministros da vinha do Senhor. Sempre que penso sobre essas questões, em âmbito pastoral, costumo fazer a seguinte pergunta: Onde estão os que não estão conosco? O que os levou ao afastamento? Por que perderam o encantamento com a vocação?
Um ‘plano de cuidados dos presbíteros’, caso tenha a genuína intenção de ser eficiente e eficaz, deve considerá-los em sua totalidade e integralidade: Necessitamos de um “humanismo integral” como paradigma para pensarmos esse ‘projeto de formação e cuidado dos presbíteros’, considerando-os a partir da lógica da “ecologia integral”; ou seja, do ecossistema destes ministros ordenados, com suas relações e ambientes culturais, com sua história de peculiaridades. Juntamente com alguns leigos, religiosas e outros irmãos de presbitério, trabalhamos na elaboração, a partir da escuta de quase cem sacerdotes, de algumas demandas que os nossos irmãos percebem como emergenciais em nosso colegiado presbiteral. É um trabalho ‘artesanal e evangélico’ que tem que ser permanente e personalizado, com uma equipe inter e transdisciplinar, com objetivos e propósitos bem claros e distintos, a começar pelos irmãos presbíteros que estão esquecidos, que não aparecem nos encontros entre irmãos, não são “escutados”, estão doentes, sem ‘uso de ordens’, desorganizados economicamente, com vícios e comportamentos que comprometem a sua credibilidade, infelizes e com crises de fé, isolados e com dificuldades na vida espiritual, e assim por diante.
Por isso, cabe a pergunta: Onde estão os que não estão conosco? Onde estão os que não são lembrados? Quem os acompanha pessoalmente? Para todos os que fazem parte de um Presbitério, a começar do Bispo, juntamente com cada um de nós, e agora com as estruturas que assumem mais diretamente esta responsabilidade, a espiritualidade da parábola do Bom Samaritano é a fonte da qual podemos beber para dinamizar verdadeiramente a nossa comunhão e a fraternidade presbiteral (cf. Lc 10, 25-37). Pensar a pastoralidade a partir dos últimos e dos que ficaram pelo caminho por causa da nossa indiferença é uma chave de leitura para fazermos o trabalho de evangelização em nossos tempos, principalmente com o magistério do Papa Francisco. Vamos pensar e rezar em torno destas e outras questões que envolvem a nossa existência, enquanto presbíteros. Assim o seja!